Um argumento ontológico é aquele que usa somente a razão e a intuição para chegar a uma conclusão, muitas vezes a conclusão de que Deus existe. Parece-me que qualquer tentativa de produzir conhecimento confiável sobre o mundo exterior unicamente pela combinação de palavras em algum idioma é ilegítima. É claro, o mesmo se aplica a qualquer linguagem — até mesmo a linguagem utilizada na matemática. Os fisicos reconhecem que mesmo a mais elegante das teorias elaborada em termos matemáticos deve em última instância ser testada e validada por observações empíricas. Eles projetam, a um custo assombroso, experimentos como o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) com o obejtivo de descobrir os segredos do universo. Os teólogos, contudo, parecem estar livres de tais constragimentos; eles simplesmente encadeiam palavras em algum idioma para atingir o mesmo objetivo. Seria esta abordagem válida?
Demonstrarei que todas as tentativas de gerar conhecimento devem ser fundamentadas em observações empíricas. Os argumentos ontológicos pressupõem implicitamente que palavras, aliadas à gramática e à sintaxe (ou seja, a linguagem) pode ser utilizada para a obtenção acurada de conhecimentos sobre a realidade sem a inconveniência de examinar o mundo real. Mas , de onde a linguagem vem? Ela evoluiu ao longo de milhares de anos, e reflete os pensamentos e experiências de todos os seres humanos que a utilizaram. Inegavelmente, a linguagem reflete a realidade em alguns aspectos. A palavra inglesa ‘aardvark’ é refletida por um insetívoro africano existente, e a palavra ‘zebra’ é refletida por herbívoro africano existente. Mas existem algumas palavras que não refletem a realidade; ‘unicórnio’ e ‘hobbit’ vem-me à mente. Mais seriamente, a física moderna tem mostrado que palavras como “tempo”, “partícula” e “causa”, para citar somente algumas, são problemáticas. Os significados comuns destes termos estão em desacordo com a realidade subjacente à nosso universo. A física revela que existe uma série de razões para acreditar que a linguagem distorce nossa percepção da realidade.
Considere o que os defensores dos argumentos ontológicos supõem. Usando somente a linguagem, e sem referências a uma única observação empírica que seja, eles esperam derivar uma compreensão do mais profundos níveis da realidade. Como se poderia esperar que a mera manipulação de símbolos tipográficos, isolada de qualquer observação, produza conhecimento? Ainda que isso seja o que William Lane Craig quer nos fazer crer. Este é o argumento ontológico formulado por Alvin Plantinga e defendido por Craig:
Agora, em sua versão do argumento, Plantinga concebe Deus como um ser que é ‘maximamente excelente” em todos os mundos possíveis. Plantinga considera a excelência máxima abraangendo propriedades como a onisciência, onipotência e a perfeição moral. Um ser que possua excelência máxima em todos os mundos possíveis teria o que Plantinga chama de “grandeza máxima”. Assim sendo, Plantinga argumenta:
1. É possível que um ser maximamente grande exista.
2. Se é possível que um ser maximamente grande exista, então um ser maximamente grande existe em algum mundo possível.
3. Se um ser maximamente existe em algum mundo possível, então ele existe em todos os mundos possíveis.
4. Se um ser maximamente grande existe em todos os mundos possíveis, então ele existe no mundo real.
5. Se um ser maximamente grande existe no mundo real, então um ser maximamente grande existe.
6. Portanto, um ser maximamente grande existe.
Não é minha intenção expor a falácia lógica contida neste argumento. Em vez disso, meu objetivo é argumentar que simplesmente porque expressão “ser maximamente grande” pode ser formulada em alguma língua, não se segue que podemos derivar conhecimento a respeito da realidade exterior manipulando estas palavras. São apenas palavras, sem maior pretensão de representar a realidade do que “unicórnio rosa invisível” ou “hobbit”. A palavra “zebra” é conhecida por representar um animal real porque o avistamos, fotografamos, dissecamos e assim por diante. Mas “ser maximamente grande” foi conjurado pela imaginação de Plantinga, assim como “hobbit” foi conjurada pela imaginação de Tolkien. As três palavras de Plantinga não podem revelar nada sobre a natureza da realidade, porque não são derivadas de qualquer observação da realidade.
Examinemos os outros quatro argumentos de Craig, apresentados no mesmo artigo em seu website. O Argumento Cosmológico da Contingência padece do mesmo defeito do argumento ontológico:
O argumento cosmológico aparece numa variedade de formas. Aqui está uma versão simples do famoso argumento da contingência:
1. Tudo o que existe possui uma explicação para sua existência, seja na necessidade de sua própria natureza ou numa causa externa.
2. Se o universo possui uma explicação para sua existência, essa explicação é Deus.
3. O universo existe.
4. Portanto, o universo possui uma explicação para sua existência (a partir de 1, 3).
5. Portanto, a explicação para a existência do Universo é Deus (a partir de 2, 4).
Mais uma vez, não há uma única observação da realidade — simplesmente palavras. Especificamente, “a necessidade de sua própria natureza” parece dizer alguma coisa, mas o que? Como teriam os seres humanos alguma vez observado tal fenômeno? Como aplicaríamos tal expressão a uma entidade que sabemos ser real? O que, por exemplo, seria a necessidade da natureza de um aardvark, ou do universo em questão? Se não podemos definir e explicar esta expressão em relação a um animal real, como esperaríamos defini-la em relação a alguma entidade hipotética e nunca observada?
Podemos descartar este argumento exatamente pelas mesmas razões que o argumento ontológico acima. Aqui está outro dos favoritos de Craig:
Eis um argumento moral simples para a existência de Deus:
1. Se Deus não existe, valores e obrigações morais objetivas não existem.
2. Valores e obrigações morais objetivas existem.
3. Portanto, Deus existe.
Mais uma vez, apenas palavras. Craig não oferece nenhuma outra justificação para as duas primeiras premissas além de “…as pessoas geralmente acreditam em ambas as premissas.” Bem, as pessoas em geral costumavam acreditar que o mundo era plano.
Vejamos o Argumento Kalam:
Aqui está uma versão diferente do argumento cosmológico, que eu batizei de argumento cosmológico kalam em homenagem a seus proponentes muçulmanos medievais (kalam é o termo árabe para teologia):
1. Tudo o que começa a existir tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Portanto, o universo tem uma causa.
Uma vez alcançada a conclusão de que o universo tem uma causa, podemos então analisar quais propriedades tal causa deve possuir e avaliar sua significância teológica.
E novamente, nada além de palavras. O primeiro passo está em desacordo com a teoria da mecânica quântica atual; não há razão alguma para pensar que seja verdadeira, e várias razões para duvidar dela. Mas ela soa plausível quando enunciada em português. Como acontece, “plausível” é um termo bastante favorecido por Craig. Na verdade, ele usa este termo para justificar cada um dos seus cinco argumentos.
Craig oferece um quinto argumento para a existência de Deus que aparenta, à primeira vista, possuir considerável substância:
Aqui, então, temos uma formulação simples do argumento teleológico baseado no ajuste fino:
1. O ajuste fino do universo é devido ou à necessidade física, ou ao acaso ou ao projeto.
2. Ele não é devido nem à necessidade física nem ao acaso.
3. Portanto, ele é devido ao projeto.
Craig tem uma discussão para a base deste argumento que é muito longa para reproduzir aqui. Em vez de criticar essa discussão, sugiro que visitem o site de Craig e leiam-no por si próprios. Como alternativa, vamos nos concentrar na possibilidade da necessidade física. Se uma Teoria de Tudo (TOE, na sigla em inglês) coerente empiricamente verificável chegar a ser formulada, ela destruiria este argumento. Craig argumenta corretamente que a ciência não o fez (pelo menos não ainda), e portanto ele argumenta, incorretamente, que o argumento do ajuste fino deve consequentemente ser convincente:
A segunda premissa do argumento responde a essa questão. Considere as três alternativas. A primeira alternativa, necessidade física, é extraordinariamente implausível porque, como vimos, as constantes e quantidades são independentes das leis da natureza. Assim, por exemplo, a mais promissora candidata para um TOE até agora, a teoria das supercordas ou teoria M, fracassa em predizer exclusivamente nosso universo.
O problema para Craig é que a história da ciência não corrobora este argumento. Os ciclos e epiciclos da astronomia pre-copernicana eram inexplicáveis para as melhores mentes da época; era amplamente aceito que uma explicação sobrenatural era a melhor disponível. Mas quando Copérnico e Newton apareceram, a necessidade de intervenção divina se liquefez. A complexidade da biologia, e a harmonia da natureza pareceram certa vez respaldar uma explicação sobrenatural, mas Darwin mudou tudo, ao menos para aqueles que compreendem a ciência. O magnetismo e a eletricidade já foram províncias da magia e da teologia, mas então Faraday, Maxwell e vários outros descobriram as leis que governam estes fenômenos. Por que deveríamos agora acreditar que a realidade pode ser explicada somente pelo sobrenatural? Não aprendemos nada da história da ciência?
Para concluir, eu afirmo que precisamos de mais do que combinações de palavras plausíveis para determinar a natureza última da realidade. Especificamente, precisamos de observações e mensurações. Esta é a diferença entre a teologia e a ciência — a diferença entre superstição e conhecimento genuíno.
Fonte – Rebeldia Metafísica.
Autor – Tim DeLaney
Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/02/o-deus-inventado-tira-se-o-misterio-e-a-duvida-o-ego-se-torna-sinonimo-de-fe/
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