sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

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Gorjeios e grunhidos




Acabei de ver “A pele que habito” de Pedro Almodóvar com o estômago revirado. Identifiquei-me com o vilão da história. Eu me via como a encarnação da personagem fictícia. Quantas vezes tentei fazer os outros ficarem parecidos com um modelo de minha mente. Nesse anseio, alucinei. Eu já cheguei a considerar-me capaz de mudar quem eu quisesse – mal sabia que eu só queria fabricar objetos de prazer e de ódio.


Transformei minhas alucinações em certezas. Fiz da vocação um instrumento de domínio. Pior, tentei tornar-me capataz de um Deus que moldaria o mundo ao meu padrão.

Recordo uma fábula de Rubem Alves. “Certa feita, os urubus tomaram o poder na floresta e impuseram seu estilo de vida a todos os animais. Sua culinária, sua moda, sua estética e mesmo suas preferências musicais tornaram-se o padrão de referência para todos. Os pintassilgos, muito cordatos, esforçavam-se sobremaneira para corresponder às exigências dos urubus. Entretanto, os pobres pintassilgos não conseguiam se acostumar ao cardápio de carniça que deveria substituir sua dieta de frutas, tampouco conseguiam andar como os urubus, reproduzir-lhes os requebros e os grunhidos que os urubus chamavam de música. Observando os desajeitados pintassilgos, os urubus concluíram sumariamente: ´Não adianta. Um pintassilgo sempre será um urubu de segunda categoria’”.

A beleza de qualquer floresta depende da diversidade. Os urubus são necessários, mas o mundo constrangido aos seus modos ficaria soturno, feio, grotesco. A beleza da vida está no respeito à identidade do outro. A grandeza de qualquer pessoa ou grupo reside em sua capacidade de coexistir com o diferente, sem a tentação de esmagar os que não dançam o dois-pralá-dois-pracá de desde sempre.

Nas relações assimétricas, ou os fortes abrem mão do poder ou eles esmagam os fracos. O bom convívio passa pela Lei Áurea de todos os credos: “Trate o próximo como você gostaria de ser tratado”. Força bruta não muda nada – sequer muda alguém. Estupidez entrincheira opostos, acirra preconceitos, exarceba ódios.

Tertuliano, um dos primeiros pensadores cristãos, dizia: “Deus, quando dá o poder… assim com o mesmo poder delega nele a imitação de sua paciência”. Ou seja, quem se enxerga comissionado por Deus a representá-lo, deve, obrigatoriamente, sentir-se impulsionado a manifestar a paciência divina e não a brutalidade. Será que Tertuliano ruminava a frase de Paulo: “Não sabes que é a bondade de Deus que leva o homem ao arrependimento”? (Romanos 2.4).

Uma teocracia evangélica se degradaria, rapidamente, em um reino de urubus. O sonho de consolidar o cristianismo como um Sacro Império deve manter-se sepultado nos escombros dos tempos medievais.

Baixem as armas, sacerdotes. Baixem o tom, profetas. Ateus e agnósticos, optem pela brandura. Dialoguemos. A humanidade cansou-se de guerras. Prefiramos ouvir a multicolorida sinfonia de Bach à cadência monótona dos hinos marciais. Temos tanta injustiça para enfrentar, tantos miseráveis para socorrer, tantos indefesos para cuidar. Não criemos mais uma guerra porque achamos nosso gorjeio, o mais afinado.

Soli Deo Gloria

Vi no http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/gorjeios-e-grunhidos/

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

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Uma mensagem subversiva




A mensagem trazida por Jesus tem um caráter subversivo. Ela não tem o propósito de trazer paz, como aquele sentimento que torna as pessoas com ar sereno e insensível ao que acontece ao redor. Ao contrário, tem o propósito de gerar inquietação nas pessoas. Não é uma mensagem de conformismo, mas o oposto. É para deixar as pessoas inconformadas com o atual estado de coisas para que, então, tentem transformar o mundo.


Quem quer paz de espírito, naquele sentido de insensibilização com todo o mal que acontece, tem que buscar outra religião. Em Cristo ficamos inquietos, queremos mudança, não nos conformamos com este mundo. Queremos uma revolução, porque cremos e pregamos uma mensagem que se choca com o sistema do mundo. Que é oposta à lógica mundana, que é oposta ao sistema perverso que impera no mundo.


A primeira subversão é colocar Deus acessível a todos. Aquilo que era monopólio da religião institucionalizada, agora é democrático, está ao alcance de quem quisesse. Deus não está mais distante, mas agora se fez homem como nós e se colocou no nosso nível, para ser um conosco, para ser Deus conosco.


Depois, é necessário compreender que a mensagem pregada por ele tem muito mais a ver com a vida antes da morte do que depois dela. Não é uma receita sobre como conseguir a vida após a morte, mas sobre como viver a vida aqui e agora. Em vez de dirigir nossa atenção para a vida além túmulo, nos céus, fora desta vida e para além da História, é preciso focar nessa vida, porque o Reino de Deus já chegou até nós e é pra ser vivido e experimentado aqui.


A subversão consiste em não nos conformarmos com a maldade deste mundo, com as injustiças, com a intolerância, com a miséria. O Evangelho é um chamado à transformação!


O mandamento de amar os inimigos e fazer o bem a quem nos odeia é absolutamente subversivo, porque se opõe à lógica dominante.


Jesus chocou, e ainda choca, a opinião pública, porque ele falou algumas coisas que não fazem sentido para o homem comum. Parece que nada tem a ver com a realidade. Mas são verdades revolucionárias. Posturas que, se adotadas, vividas, podem mudar, transformar o mundo.


Não mudaremos a realidade ao nosso redor decretando isso em 40 dias de oração, ou 30 dias de jejum, ou dando 7 voltas cidade durante a madrugada, nem amarrando demônios por decretos. Isso não vai mudar nada.


Mas no dia em que alguns, com firme propósito, passarem a viver um pouco do conteúdo da mensagem do Evangelho, uma mudança revolucionária estará a caminho.


Márcio Rosa da Silva


Vi no http://marciorosa.wordpress.com/2011/12/02/uma-mensagem-subversiva/
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TRANSGREDIR PARA SER HUMANO

Conversando com minha esposa a respeito da educação de nossos filhos, disse que gostaria que meus filhos, vez por outra, quebrassem minhas regras; que não queria filhos subservientes, assustados, com medo das fronteiras, obedientizinhos a tudo que lhes ordenasse. Até porque muitas de minhas ordens não são legítimas! Uma criança que segue minhas leis à risca não vai além de mim, já que em meus conselhos, obviamente, eu projeto todos os meus receios, preconceitos, previsões... enfim, a minha “experiência de vida”, e assim posso lhe furtar o direito de ter a sua própria experiência.



A minha leitura da poesia de Gênesis é que ali Deus abre os olhos do ser humano para a responsabilidade que ele passaria a ter se ultrapassasse o limite. A meu ver não foi uma mera proibição! Foi apenas uma advertência.



“Vocês terão grandes responsabilidades. Vão ter consciência de si. Vão comer do trabalho, vão saber a dor de criar filhos e perdê-los. Morrerão e saberão disso. Terão consciências dos sentimentos bons e ruins.



A curiosidade do ser humano foi tanta que ele imaginou como seria a vida depois da linha. Pagaram para ver! Comeram a Liberdade!



Muitos "batem" em Eva dizendo que ela foi a grande culpada pela queda da humanidade, afinal ela comeu do fruto primeiro. Mas eu, que fui salvo da perfeição assim como Eva, acredito que ela foi muito corajosa, transgressora, curiosa para ir além da fronteira do desconhecido, e assim pariu a Consciência Humana... (E, fiel como toda mulher, voltou para buscar Adão! Imagine se ela o deixa lá...?!) Eva nos colocou não num estado danado, mas para além dos limites de uma existência animal. Eva não deu à luz à Queda, Eva deu à luz a Humanidade! Eva deu à luz ao mundo complexo, interessante, inevitável, dinâmico que é a vida humana. Viva Eva! Salve Eva! Ave Eva!



Imagino que Deus ao perceber a curiosidade da mulher/homem e o seu ato de ir para além das fronteiras disse “bingo!”. Deus vibra com o inconformismo do homem porque foi para isto que Deus criou o homem: para liberdade, portanto com a capacidade de se inconformar, de se rebater, de subverter, de transgredir.



Não existe nenhum código, programa, software (nem bom, nem mal) para o homem cumprir. Isto é o que o homem tem de mais caro: a liberdade. Para usar a expressão de Rousseau – a “perfectibilidade”: a capacidade de se emancipar de todo código, de todo programa de computador natural; um potencial que o homem tem para se aperfeiçoar, reinventar, mudar, transformar.



Não estou convencido que Deus criou o homem com potencialidade para o Mal e para o Bem, senão poderíamos responsabilizar Deus de nossos atos, já que Ele previamente definiu dois programas. Acredito que Deus criou o homem para além do Bem e do Mal. A visão dicotômica Mal X Bem que se tem apequena demais a vida e é muito simplória. A vida é mais do que o Mal e o Bem. Aliás, o que é o Mal e o que é o Bem? O que pode ser bom para alguém pode ser mau para outra pessoa e vice-versa. Nesta dicotomia simplória Mal X Bem existem muitas outros matizes de valores, belezas, verdades, éticas que são contingentes, culturais e relativas.



O  Existencialismo diz que a existência precede à essência; outros filósofos, como André Comte-Sponville, dizem que a essência se confunde com o existir. De um jeito ou de outro não há uma “natureza-software” a ser seguida. Acho que é por aí: eu sou enquanto vou vivendo; eu sou como eu vou vivendo. Ao contrário da ordem tradicional fundamentalista que diz que o homem nasce com um código mau e basta chegar à idade da razão para que a víbora que nele há se manifeste.

Deus criou o ser humano para aprender a liberdade.

Entendo que é na dialética filhos - pais que as crianças aprendem um código de ética combinado entre eles. De certa maneira, o meu “não” ao meu filho desperta nele curiosidade, imaginação, desejo de saber que tipo de experiência existe além dessa fronteira “não”. O fato de ele transgredir não é necessariamente mau, e às vezes o levará a descobrir novas possibilidades, reinvenções e a se enxergar superando um obstáculo.

Há transgressões para morte e há transgressões para a vida. Há quebras de códigos de ética que são extremamente nocivos, mas há subversões que geram vida, evolução, aperfeiçoamento. Sem subversão não há evolução, sem quebra de limites e paradigmas a história humana não teria chegado aonde chegou. Se os gênios, pensadores, artistas, utópicos, poetas não subvertessem os paradigmas, as normas, as leis o mundo seria a estagnação!

Jesus Cristo quebrou padrões, subverteu normas e etiquetas a favor da vida, reinterpretou a Lei “vocês ouviram assim, porém eu vos digo assim...” Jesus não se encaixava num esquema sócio-econômico, político ou religioso, Cristo não cumpria o programa do que se esperava de um Messias. O carpinteiro frustrou a máxima que “não poderia vir coisa boa de Nazaré”. Cristo transgrediu em favor da vida! Cristo subverteu para a humanidade seguir caminho!


Por Márcio Cardoso


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CREDO DA LIBERDADE




Não vou desistir da Igreja por causa dos religiosos que a deturpam, e fazem dela fonte de chacota e de lucro e de sacerdotes que vendem ilusões.

 
 
Mas também não quero pertencer a uma igreja que não comunica a verdade libertadora, não defende a vida e se contenta em impor dogmas, e valoriza mais a letra da lei do que a pessoa humana.


Quero lutar para que o respeito ao humano, o direito à liberdade e à justiça prevaleça.


 
Por deslumbrar uma comunidade onde as pessoas não sejam obrigadas, mas desafiadas a viverem uma fé pertinente ao mundo que vivemos e não esteja presa a uma cultura que não nos pertence, pronuncio o esboço de um credo que acredito satisfazer pelo menos aos primeiros passos da fé cristã:

  • Creio em Jesus de Nazaré como o Cristo Filho de Deus, Senhor e salvador de todos, expressão legítima de Deus e parâmetro de vida e fé.

  • Creio na Bíblia como livro sagrado porque revela Cristo, a Palavra Viva.

  • Creio em Deus como Criador ativo na história por meio do Espírito Santo que glorifica a Cristo, e por isso não-intervencionista.

  • Creio que as coisas que acontecem na criação, boas e ruins provém da liberdade e nela o homem tem a possibilidade de revelar Deus, agindo como Jesus.

  • Creio na salvação como uma dádiva divina que se concretiza na história pela resposta humana ao chamado de Deus para encarnar o reino.

  • Creio na oração não como um meio de convencer Deus aos nossos interesses, mas como os interesses de Deus são legítimos, verdadeiros e a máxima expressão de vida e amor, a oração nos converte a esta vontade.

  • Creio que o pecado é de responsabilidade pessoal. Pecamos e experimentamos o mal em virtude de sermos criaturas. Só Deus não peca.

  • Creio que a fé cristã nos desafia a lutarmos contra todo o tipo de morte e seus processos.

  • Creio que a boa teologia brota da vida e não da letra e se renova constantemente no pensar sobre Deus.

  • Creio que os milagres registrados na Bíblia não estão para provar que Deus tem poder, mas sim para sinalizar o Reino de Deus, demonstrar que Deus é contra o mal e nos desafiar à mesma postura divina.

  • Creio que a pregação do evangelho é um chamado para a Vida.

  • Creio na graça e no amor de Deus e que ele não faz acepção de pessoas e não tem um grupo seleto, mas é sobre todos e para todos de igual forma.

  • Creio que todos somos pecadores e chamados para experimentarmos a graça, através do único meio possível, na caminhada.

  • Creio que nem a oração, nem a fé são instrumentos de coação contra Deus.

  • Creio que Pai, Filho e Espírito Santo formam uma unidade perfeita em amor, sendo um só Deus, e, portanto, Jesus como mediador não está contra os interesses do Pai e, nem ele, nem o Espírito Santo intercedem por nós como se o Pai fosse resistente em nos abençoar.

  • Creio que não há uma distância entre Deus e a humanidade que precisa ser superada, mas que Ele é o Emanuel desde sempre.

  • Creio que o culto não é uma prestação de serviços a Deus e nem tampouco serve para conquistar o coração de Deus ou chamar sua atenção, mas é uma celebração de vida com Deus.

  • Creio que a fé cristã não é uma vantagem ganha, mas o privilégio de um compromisso sério, profundo e eterno com Deus.

  • Creio que Revelação só o é pela capacidade de ser renovável e contemplar o presente. Revelação congelada no tempo perdeu sua essência.

  • Creio que a piedade cristã legítima é aquela que se desenvolve com contentamento e não por sacrifícios e penitências.


Há muito mais coisas ainda para se colocar, mas aqui estão as primeiras linhas que me motivam a continuar na caminha cristã.


Se você concorda com meu credo sigamos na caminhada. Se não concorda e mais ainda, acredita que é um desvio da fé cristã, só peço que se comporte com dignidade e use de cordialidade. Não precisa agredir; apenas me ignore e eu entenderei o recado.


 
Quero seguir em paz com minha consciência e não se preocupe, não tenho nenhum receio em comparecer diante do tribunal de Cristo. A ele e à sua justiça me submeto.


Não serei prisioneiro de qualquer conceito que se imponha com apenas a possibilidade de repeti-lo e nunca questioná-lo. Sou livre e quero viver a liberdade para a qual Cristo me libertou.

 
 
Respeito você crer diferente, e peço o mesmo.


Diria o seguinte:

 
 
Desligo-me da igreja congelada no tempo que apenas repete doutrinas.

 
 
Reafirmo meu compromisso com a Igreja, esta que procura Revelar Deus encarnando a verdade de Cristo; promovendo a vida.


Sou feliz pela minha comunidade da fé!


Por Eliel Batista
 
 
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A sorte dos desgraçados




Não aguento mais ser pesado, medido, comparado, avaliado. No instante em que me puxaram de dentro da mamãe, começou: “Quantos centímetros?” “Qual peso?” “E a cor dos olhos?” “Com três meses, sentou?” “Já engatinha?” “Aprendeu a ler com que idade?” “Passou de ano?” “Tirou dez em álgebra?” “Sabe trigonometria?” “Domina quantos idiomas?” “Tem pós-doutorado em que áreas?”.


Fico a imaginar o constrangimento da vizinha que teve filho com menos quilos ou com lábio leporino. Qual o peso nos ombros dos pais do menino com alguma anomalia genética? O que dizer para a menina de seios pequenos? O que pensar da enfermeira? – ela não chegou a ser médica! Por que Deus distribui seus dons sem critério?


Para mim, chega. Esse campeonato além de não ter nenhum vencedor, cansa. Desisto de chegar em primeiro lugar. Abro mão da primeira fila de cadeiras. Estou ficando velho para entrar em octógnos com gente de QI anabolizado.


Sinto-me parceiro de Álvaro de Campos no Poema em Linha Reta. Eu também ando farto de semideuses. Mas, vou além dele. Peço licença, quero sair. Não ambiciono o título de ungido. Não procuro a sorte dos biliardários. Abro mão das unanimidades. Não pretendo romper qualquer faixa de chegada. Os bravos que fiquem com suas medalhas penduradas no peito. Não quero ser dono de jato ou helicóptero. As autoridades que se atem com os protocolos do poder.


Assumo: a vida me escanteou para as margens – mas estou bem. Sinto-me crescentemente confortável na companhia dos reles. Acho que já posso ser bem vindo no jantar dos pecadores. Eu, “que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas”, agora me sinto à vontade entre proscritos.


Ponho-me a caminho dos esteticamente feios, dos pobres, dos discriminados, dos exilados, dos falidos. E nessa jornada, redescubro a inebriante verdade bíblica de que Deus preferiu fazer morada no acampamento do oprimido. Ele amava as mulheres menos amadas, e fez com que fossem as mais férteis. Para ele, os gigantes encarnavam o mal e os baixinhos eram gente “segundo o seu coração”.


Sucesso, felicidade, liberdade, não seriam a maldição de Mamon? Será que são mesmo desgraçados aqueles que a Fortuna, deusa sem alma, não brindou? Então, qual o consolo dos negros que morreram nos fétidos porões de transatlânticos? Que estavam sendo poupados da escravidão? Ou será que todas as divindades esqueceram deles? Estavam sós, mulheres queimadas sobre a madeira verde da Inquisição? Chamaremos de bastardos de Javé os soldados rasos que o gás de mostarda asfixiou nas trincheiras da Primeira Grande Guerra do século XX?


Todos os dias, milhões nascem destinados ao anonimato e milhões somem da vida marcados pela miséria. Os pobres se dissolvem em alguma cova rasa. Eles não terão memória. O tempo os esmigalhará em nada. A vida é dolorida, assombrosamente dolorida, para a maioria. Fala-se em compaixão. Palavra fútil. Não haverá compaixão enquanto não se descer do comboio do triunfo.


Levei enxovalhos. Qual foi o meu sofrimento diante da agonia das crianças de Darfur? Sofri olhares de soslaio. Chego a envergonhar-me de minhas aflições. A fotografia de um bairro do Haiti debocha de qualquer lamento meu. Contudo, os poucos e ridículos constrangimentos que rondaram a minha vida serviram para que eu desistisse de segurar o cabo-de-guerra dos bem sucedidos.


Sei que um dia, mais cedo ou mais tarde, todos chegaremos ao fim. Naquele dia, alcançaremos os perdedores. Seremos tão pobres quanto o mais pobre pária indiano, tão frágeis quanto as mais frágeis meninas nordestinas que se prostituem, tão solitários quanto o desterrado africano. E agradeceremos por Deus não dar as costas aos morimbundos. Melhor começar agora a considerar-se derradeiro e não cabeça, louco e não genial, pobre e não abastado.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/a-sorte-dos-desgracados/
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Anabatismo e Reforma Radical

Jonathan Menezes




Um olhar para qualquer fenômeno histórico com certo nível de complexidade exige, como corolário, a assunção de tal complexidade e uma delimitação ou recorte. Geograficamente, meu recorte aqui privilegiará um olhar para o anabatismo desde seu berço, na Suíça, e outros focos na Europa Central. Em um segundo momento, desejo explorar um pouco sobre a relação dos cristãos anabatistas com o mundo, o que nos conduzirá a um possível entendimento de sua visão sobre a relação Igreja-Estado. Por fim, ainda nessa direção, recairá sobre as marcas da igreja e da vida cristã, ou, em outras palavras, o que fez com que os anabatistas fossem o que foram. Quem foram os anabatistas do século XVI? Quais características que os distinguem e demarcam sua identidade? Como se deu sua relação com os demais reformados? Quais foram as possíveis motivações do movimento?

O Anabatismo: início, focos de expansão e martírio


Primeiro: quem foram os anabatistas e quais seriam algumas marcas distintivas desse grupo? Podemos dizer, grosso modo, que os anabatistas foram, de certa maneira, “filhos bastardos da reforma”, não para reforçar o teor pejorativo dessa declaração, mas para destacar o lado crítico e periférico de sua relação com os demais movimentos reformadores. Enquanto “filhos da reforma”, os anabatistas endossaram alguns dos preceitos nela estabelecidos, como o do apreço pela autoridade das Escrituras. Segundo Earle Cairns (1995, p. 248), “a insistência de Zwínglio na Bíblia como fundamento da ação dos pregadores encorajou a formação de conceitos anabatistas baseados na Bíblia”.


Cedo, porém, eles ficaram conhecidos mais por suas discordâncias dos que por pontos de acordo com a Reforma. O princípio de sola Scriptura não era mais suficiente, especialmente quando, na prática, não havia sido capaz de confrontar certas estruturas temporais. Um aporte mais radical começou a ser desejado por alguns espíritos menos conformados. Conforme o olhar de Bard Thompson, eles começaram a suspeitar da idéia de um corpus Christianum em torno do qual toda a sociedade, inclusive os “mornos na fé”, seria reunida. Também passaram a duvidar da integridade da “Reforma Magisterial” (mais focada no ensino), qual seja, a de Lutero, Zwínglio, Calvino ou da Igreja da Inglaterra, no qual o papel dos ministros não muito se diferenciava do papel do padre na Igreja Católica (centralizador), e em que a autoridade secular (Estado) seria uma expressão da divina providência sobre a criação.


O primeiro foco de aparecimento desse descontentamento se deu na Suíça, talvez em função da, até então, ligeira liberdade civil e religiosa que se encontrava no país. Ulrico Zwínglio é quem originalmente havia estabelecido a reforma na Suíça de língua alemã. Devido às suas divergências teológicas com Lutero, as igrejas que diziam ser suas filhas espirituais passaram a se chamar “reformadas”, para se diferenciar das “luteranas”.


Dentre os seguidores da reforma zwingliana estavam Félix Manz (1500-1527) e Conrado Grebel (1498-1526), ambos eruditos e humanistas, educados nas melhores universidades da Europa. Outros eram os sacerdotes Simão Stumpf, Jorge Blaurock, Guilherme Reublin e João Brotli.


No início, associaram-se a Zwínglio por sua ênfase na autoridade das Escrituras e pela reforma social mais ampla por ele proposta. Depois entenderam que seu endosso ao ensino primitivo do batismo infantil, bem como sua prudência, patriotismo e “atraso” (do ponto de vista dos descontentes) em relação a mudanças mais radicais eram um impedimento sério para o avanço da reforma em outras frentes, como a abolição da missa, o uso de imagens e o papel das autoridades em questões religiosas. Assim, por volta de 1523, concluíram que a liderança de Zwínglio era um tanto quanto “conservadora”, resolvendo dele se afastar, não somente nas ideias, como na prática (Cf. Walker, 1981, p. 40).


Começaram se reunindo em pequenas convenções para estudo da Palavra, ou nas casas onde se tinha maior liberdade para a pregação e um discipulado pessoal. Assim, no outono de 1524 Grebel e seus correligionários passaram a rejeitar a coleta dos dízimos, que eram recolhidos pelo Estado para suporte dos ministros e outras questões, e, principalmente, aboliram o batismo infantil de seu meio. Para os anabatistas, o batismo era o distintivo do discipulado e compromisso cristão. E como somente um adulto seria capaz de se comprometer de tal maneira, então somente o batismo adulto poderia ser legítimo.


O conselho de Zurique começou a pressionar Zwínglio no sentido de que este se reunisse com os radicais para tentar um acordo pacífico. De acordo com Dionísio Byler (2000, p. 02), Félix Manz apresentou um recurso solicitando um debate público sobre a questão do batismo. Recurso aceito pelo conselho. No dia da reunião, porém, a situação se inverteu: ao invés de um debate aberto, o que se viu foi um decreto da parte do conselho, de que os filhos recém-nascidos deveriam ser batizados e que qualquer casal que se recusasse a fazê-lo deveria ser expulso do distrito. Tudo isso em 18 de janeiro de 1525. Era um aviso de que a força seria empregada, se necessário fosse, para que tal ordem se cumprisse.


Inicialmente a questão do batismo havia sido postulada apenas no âmbito da rejeição ao batismo infantil, como preceito não biblicamente fundamentável. Mas um episódio em especial marcou o anabatismo como sendo, na época, uma espécie sectária e sediciosa de protestantismo. Após aquela reunião, Grebel, Manz e os demais resolveram se reunir para orar na casa da mãe de Manz. Segundo Byler (2000, p. 02), uma antiga história contada pelos irmãos huteritas, relata aquele encontro (ao qual traduzo livremente abaixo):

Ficaram reunidos por muito tempo e uma profunda angústia se apoderou de seus corações. Começaram a dobrar os joelhos diante do Deus, que é exaltado nos céus, clamando a Ele como a quem sabe o que vai nos corações dos homens, rogando que lhes permitisse fazer sua vontade divina e que lhes mostrasse sua misericórdia; porque a carne, sangue e imaginação humanas não era o que os impulsionava. Bem sabiam o que teriam de sofrer e aguentar por causa disso. Depois da oração, Jorge Blaurock se levantou e pediu a Conrado Grebel que, pelo amor de Deus, lhe batizasse com um batismo cristão verdadeiro, como consequência de sua fé e confissão. Já que este estava de joelhos, implorando com um desejo tão comovente, Conrado o batizou, pois não havia nenhum ministro ordenado presente para fazer tal coisa. Uma vez feito isto, os demais da mesma maneira pediram a Jorge que os batizasse, o qual o fez porque eles pediam. Assim, com grande temor a Deus, encomendaram-se uns aos outros ao nome do Senhor, mutuamente se reconheceram como ministros do Evangelho, e começaram a pregar e guardar a fé. Desse modo se iniciou a sua separação do mundo e suas obras perversas.

Esse evento mexe com muita coisa num horizonte já suficientemente complicado. O grupo passou a ser chamado pejorativamente pelos seus opositores de “anabatistas”, palavra que designa aquele que rebatiza (1). Inicialmente os batismos aconteciam por efusão (derramamento de água). Mas em fevereiro de 1525, houve outro episódio em que um membro da congregação de Baltasar Hubmaier pediu pra ser batizado por imersão nas águas do rio Reno. Segundo Bard Thompson (1996, p. 466), ali se deu o começo do batismo por imersão na tradição anabatista – e que, acrescento, continuaria sendo tempos depois “pedra de toque” de divisões entre cristãos protestantes.


William R. Estep parece seguir a mesma linha de raciocínio quando afirma que, após seu batismo pelas mãos de Grebel, Blaurock passou a batizar todos os outros presentes e assim, consecutivamente, tal prática começou a se espalhar pelas comunidades nas mais diferentes regiões. Os novos batizados, dessa forma, “se comprometiam como verdadeiros discípulos de Cristo a viver vidas separadas do mundo e a ensinar o Evangelho e manter a fé”. Com esse primeiro batismo, ainda segundo Estep, o “anabatismo” e a igreja primitiva dos irmãos suíços haviam nascido. Como ele defende tendenciosamente, “nenhum outro evento simbolizou tão plenamente a ruptura com Roma. Aqui, pela primeira vez no curso da Reforma, um grupo de cristãos se preocupou em formar uma igreja com base no que foi concebido para ser o caminho neotestamentário” (Estep, 1996, p. 14).


Preciosismos à parte, não me parece ser à toa que alguns (como Bard Thompson, 1996) chegaram a considerar o anabatismo, em termos contemporâneos, como a “esquerda” da Reforma. Ou, na interpretação de Juan Driver (2), o significado deste e de outros atos não se concentrava tanto no batismo em si – como um olhar superficial nos faria pensar – mas na

Criação de uma nova forma de igreja, uma comunidade concreta e livre da dependência da autoridade civil para seu estabelecimento, na qual os membros se comprometem mutuamente a dar e receber conselho fraternal em seu seguimento de Cristo. Ademais, o simbolismo do lavamento só tem sentido conquanto a realidade espiritual simbolizada, o andar em novidade de vida, também esteja presente (Driver, 2000, p. 03).

Perseguição e martírio


Com o confronto não somente no horizonte religioso (igreja), mas também público (estado), não tardaria para que se iniciasse uma verdadeira “caça as bruxas” em relação aos anabatistas. Alguns exemplos de perseguição e martírio entre os anabatistas podem ser aqui listados.


Em 7 março de 1526 o conselho municipal de Zurique publicou um edito no qual se previa a prisão e morte daqueles que praticassem os atos de rebatismo. Em 19 de novembro do mesmo ano, o conselho aprovou uma nova lei, que não somente condenava à morte os praticantes do rebatismo, como estendeu tal pena aos que pregassem ou simplesmente atendessem às pregações anabatistas.


Conrado Grebel, que fora um dos primeiros líderes do movimento, faleceu na prisão no verão de 1526, vítima da peste. Experimentou o princípio da perseguição e capturas, mas não do martírio (assassinato). Já Félix Manz não teve a mesma “sorte”. Como primeiro mártir do movimento anabatismo, morreu afogado no rio Limmat em 5 de janeiro de 1527.


Conforme se intensificava a perseguição, a tendência de alguns grupos anabatistas foi a de se exilar em outras regiões que, ao menos de início, se mostravam mais tolerantes. Blaurock, por exemplo, por não ser cidadão de Zurique, foi condenado ao exílio perpétuo, após ter sido açoitado pelas ruas da cidade.


Caso similar foi o de Baltasar Hubmaier, sacerdote de um povoado austríaco chamado Waldschut, que, depois de ter (re)batizado sua paróquia quase inteira, teve de se exilar “voluntariamente” na região da Morávia, mais precisamente em Nicolsburgo. Após vivenciar problemas, como a controvérsia local entre os anabatistas não-violentos e outros, sob a liderança de Hans Hut, que apregoavam a não obediência à violência e o pegar em espadas se preciso fosse, Hubmaier foi capturado, conduzido a Viena e, depois de sessões de tortura e interrogatório, foi condenado por heresia e sedição e queimado vivo em praça pública. Sua esposa foi afogada poucos dias depois (cf. Byler, 2000, p. 05; Driver, 2000, p. 08).


O grupo de seguidores de Hubmaier estaria fadado a ser extinto, após dispersão decorrente da morte de seu líder espiritual. Finalmente conseguiram refúgio nas terras de Auspitz. Ali se encontraram com o líder do movimento radical em Tirol, Jacó Hutter, que também buscava lugar de refúgio aos perseguidos em sua terra. Segundo Byler (2000, p. 06), “Hutter foi o líder necessário para organizar a convivência em comunidade de tal maneira que se solucionaram seus problemas”, ou pelo menos parte deles. Uma de suas estratégias de organização do povo frente à forte perseguição foi o de dividir a comunidade em agrupações menores para chamar menos atenção dos agentes imperiais. Todavia, foi surpreendido e preso junto com sua esposa, sendo julgado, torturado e morto (queimado em fogueira) em 25 de fevereiro de 1536 (cf. Driver, 2000, p. 08).


Dentre tantos outros casos de perseguição e martírio, um dos mais notáveis episódios se deu na cidade alemã de Münster, não muito longe da fronteira com a Holanda, onde houve uma grande rebelião anabatista. Tudo parece ter começado através da pregação de Melchior Hoffman, que foi o ponto de conexão entre correntes do anabatismo na Suíça, Alemanha e Holanda. Ele atuava juntamente à comunidade anabatista de Estrasburgo, principal centro anabatista alemão entre 1526 e 1533. Era representante de um lado apocalíptico da reforma anabatista, pois considerava Lutero um “apóstolo dos começos”, como um Judas, e proclamava a si mesmo um “apóstolo do fim” (Walker, 1981, p. 45-46). Isto, pois, segundo Latourette (2006, p. 1060), Hoffmann predissera “que após seu aprisionamento e morte ele retornaria, em 1533, com Cristo nas nuvens do céu, que os ímpios seriam julgados e a Nova Jerusalém seria estabelecida em Estrasburgo”.


O resultado dessa pregação tem pelo menos três frentes: (a) Hoffmann foi preso por duas vezes, sendo que escapou na primeira e, na segunda, foi condenado de vez à prisão pelo Sínodo de Estrasburgo, que se reuniu entre 10 a 13 de junho de 1533. Hoffmann permaneceu preso até sua morte 10 anos depois, em 1543, aparentemente ainda convicto e esperançoso até o final. (b) Nos anos que seguiram sua prisão, o norte alemão e os Países Baixos haviam sido diretamente afetados por sua pregação, e a mensagem apocalíptica se tornou popular. (c) Por fim, ela tomou lugar na cidade de Münster, onde, segundo Dionísio Byler (2000, p. 06), “as classes sociais inferiores daquela região estavam tão oprimidas e viviam em tal desespero que a mensagem do retorno de Cristo em 1533 foi recebida com alvoroço pelas massas populares”. Havia um pregador chamado Jan Matthys, que se considerava profeta e sucessor de Hoffmann, e enviou 12 apóstolos, de dois em dois, para proclamar a “boa notícia”. Desta feita foi que esses descobriram que em Münster havia alguns crentes nessa mensagem e que convidavam Hoffmann a ir até lá. Ele não só foi como ali afirmara ter recebido uma “nova revelação”, a qual dizia não mais ser Estrasburgo, e sim Münster, o lugar no qual iria se estabelecer a “nova Jerusalém”.


Pouco tempo depois, ele acabou morrendo em uma emboscada, e seu sucessor foi Jan de Leiden, junto a outros líderes. Este governava a cidade com mãos de ferro e chegou a instituir a poligamia ali. Eles também tentaram construir o que criam ser uma “sociedade cristã”. Mas logo foram cercados pelo bispo, o qual foi ajudado por luteranos e católicos. Assim, Jan de Leiden e todos os líderes anabatistas daquela cidade foram presos e exibidos publicamente em jaulas, onde foram torturados e mortos. Esse episódio ficou marcado na história anabatista e confirmaria “o péssimo odor ligado ao nome deles” naquele momento (Latourette, 2006, p. 1061).


Diante de tantas perseguições e ameaça de extinção, o grupo dos anabatistas ficou mais uma vez disperso pelas muitas regiões por onde havia se espalhado. Um dos grupos que conseguiu sobreviver foi o dosMenonitas. Esse nome foi derivado de seu líder e responsável pela “renascença do Anabatismo”, o holandês Menno Simons (1496-1561). Menno serviu como sacerdote católico em sua terra natal, Friesland ocidental, até que se convenceu de que essa Igreja, Lutero, Zwínglio e Calvino estavam errados, especialmente no consenso quanto ao batismo infantil, e que apenas o batismo adulto tinha base nas Escrituras. Foi então batizado (renunciando sua matriz católica) e passou a atuar como ministro anabatista.


Segundo Bard Thompson, Menno foi o maior teólogo da tradição anabatista, defendendo um anabatismo biblicamente fundamentado, e tendo publicado em 1540 sua obra “Fundação da Doutrina Cristã”, que serviu como meio de estabelecimento de sua autoridade perante os anabatistas no norte da Europa. Devido à perseguição e ameaça de morte, viveu na clandestinidade por muito tempo, tendo de se mudar várias vezes, embora tivesse esposa e filhos; passou por Bélgica, Dinamarca e Polônia, ajudando a organizar comunidades ali. E, de acordo com Byler (2000, p. 07), apesar dos 100 floríns (moeda holandesa na época) oferecidos em ouro por sua cabeça, “Menno foi um dos únicos anabatistas de sua geração que morreu em sua própria cama, já idoso. Sua mulher e seus três filhos não puderam sobreviver à dureza da vida de pródigos”.


As relações com o mundo e marcas da Igreja e vida cristãs no Anabatismo

Além disso, o evangelho e seus adeptos não devem ser protegidos pela espada, nem eles devem proteger a si mesmos, o que, conforme aprendemos de nosso irmão, é sua opinião e prática. Crentes verdadeiros são ovelhas no meio de lobos, ovelhas para o abate; eles precisam ser batizados em angústia e aflição, tribulação, perseguição, sofrimento e morte; eles devem ser provados com fogo, e devem alcançar a pátria de descanso eterno, não por matar seus inimigos corporais, mas mortificando seus inimigos espirituais. Tampouco eles usam armas ou guerras mundanas, à medida que toda matança tem acabado com eles – a menos que, na realidade, continuemos pertencendo à velha lei (Grebel, in Hillerbrand, 1968, p. 127). (3)

Essas palavras foram extraídas da carta que Conrad Grebel escreveu no início do ano 1524, e endereçou a um dos principais representantes da reforma radical (armada) na Alemanha, Thomas Müntzer (1488-1525). Foi seguidor de Lutero, mas rompeu com suas ideias e, especialmente, com sua aparente passividade e condescendência em relação aos mandos e desmandos do Estado. Lembremos que Karlstadt, ex-companheiro de Lutero na Universidade de Wittemberg, após o rompimento com este reformador, passou a adotar ideias e práticas ainda mais radicais; desafiou o próprio Lutero e o governo da Saxônia ao negar o valor da instrução, destruir imagens, rejeitar a presença física de Cristo na ceia, e servir como incitador das massas, já descontentes com o descaso do Estado para com a sua condição miserável e explorada.


Segundo W. Walker (1981, p. 26), “o ataque luterano à autoridade espiritual tradicional e à pregação evangélica da ‘liberdade cristã’ e da ‘justiça divina’ contribuíram, sem dúvida, para o surgimento da revolta dos camponeses”. Ou seja, as ideias de Lutero instauraram uma discursividade e uma ação entre seus seguidores e, por conseguinte, entre os camponeses, que seu “projeto original” de rebelião contra a Igreja (o que para ele seria a favor de um retorno da Igreja às Escrituras) parecia não prever. Tanto que as reações de Lutero aos desdobramentos de seus atos e ideias indicavam que eles representavam uma versão infiel e extrema.


Müntzer foi o grande líder daquela revolta camponesa. Seus principais pontos de divergência com o “status quo” podem ser assim descritos: defendia a revelação direta, por meio de sonhos e profecias; as Escrituras só podiam ser lidas por quem verdadeiramente é possuído pelo Espírito; defendia a luta sangrenta, se preciso fosse, contra as injustiças dos príncipes e sacerdotes; se posicionava contrariamente ao batismo infantil – os dois últimos pontos representavam respectivamente sua discordância e concordância com Grebel e os irmãos suíços.


Embora tentasse manter uma posição conciliadora e corrigir injustiças existentes em ambos os lados, Lutero não via aquele tipo de rebelião que se desenhava com bons olhos. Pelo contrário, conforme expõe Walker (1981, p. 27):

Aos seus olhos… toda revolução política era rebelião contra Deus, e ele considerou as exigências econômicas e sociais dos camponeses, feitas em nome da Bíblia e da “lei divina”, como uma interpretação equivocada (carnal) do Evangelho. Quando a rebelião, mal dirigida, caiu em excessos maiores de violência e pareceu tornar-se anarquista, Lutero [ao seu “melhor” estilo – acréscimo meu] voltou-se contra os militantes camponeses com violento panfleto, Contra a corja de camponeses assassinos e ladrões, exigindo que os príncipes os esmagassem pela força das armas.

Assim, Müntzer foi capturado, torturado e morto na batalha em que 6 mil camponeses também foram mortos, em 15 de maio 1525, o que pôs fim à revolta. Essa revolta, parafraseando Walker, foi uma linha divisória da Reforma. Uma divisória entre Lutero e outros reformadores magistrados versus os “reformadores radicais”; divisória como um evento que marca a violência legitimada da reforma contra a própria reforma; divisória quanto às diferenças presentes dentro do próprio movimento anabatista, quando consideramos sua vertente não-violenta, representada por Grebel e outros, e a linha daqueles que “usavam a espada” se preciso fosse, como é o caso de Müntzer.


Na carta que Grebel escreve a Müntzer – que não se sabe se chegou a ele ou não – apela tanto para pontos em comum (como a questão do rechaço ao batismo infantil) como demarca diferenças com a sua visão sobre o que deve ser a marca de um “cristão verdadeiro”: se necessário for, sofrimento, perseguição, martírio e morte, mas nunca por meio de uma resistência violenta, e sim da resistência não-violenta. Ambos, Grebel e Müntzer, parecem compartilhar de um mesmo descontentamento com as ingerências do Estado sobre assuntos espirituais e religiosos, mas parecem divergir na forma como o cristão deveria reagir diante de tal descontentamento.


Como bem apresenta Hans J. Hillerbrand, editor da obra The Protestant Reformation (A Reforma Protestante), uma compilação de documentos que circularam no período da reforma, a presente carta é um importante documento para entender a “autoconsciência do movimento emergente dos Anabatistas e o temperamento da dissidência radical naquele momento particular” (Hillerbrand, 1968, p. 122).


O que desejo chamar atenção nesse particular trecho acima citado, bem como em outros momentos da carta, é a possibilidade de abstrair um pouco da cosmovisão cristã anabatista, especialmente no que diz respeito à vida pública. Um primeiro destaque, portanto, pode ser o esforço de Grebel em tentar convencer seu interlocutor de que eles não podiam lutar com as “armas do mundo”. Ou seja, já aqui se pode perceber um desejo de ruptura com os rudimentos desse “mundo perverso” – o que, portanto, inclui os expedientes utilizados na maioria das vezes pelo Estado (armas, violência e coerção) – e o retorno a uma espiritualidade livre de amarras, onde a batalha do crente é, sobretudo, de natureza espiritual.


Um segundo destaque, bastante ligado ao primeiro, tem a ver com um desejo forte de se concentrar mais na vontade de Deus, por meio das Escrituras, e menos na vontade e opinião dos homens. Daí, num outro momento da carta, pode-se observar Grebel apelando a seu irmão na fé, Müntzer, para que pregasse apenas a palavra divina destemidamente, estabelecendo e guardando “apenas instituições divinas”, e rejeitando, odiando e amaldiçoando todos os conselhos, palavras, costumes e opiniões dos homens, incluindo os dele (Müntzer) próprio (Hillerbrand, 1968, p. 124).


Esta pode parecer uma ideia inofensiva e que arbitra apenas no campo dito “espiritual” da vida do crente, mas seria um ledo engano subestimar a força que princípios como os tais tiveram na vida e ética, tanto privada como pública, dos anabatistas. Produziu-se, com isso, um olhar autocentrado, uma espiritualidade de fuga do mundo, ausência das instâncias públicas, mas, ao mesmo tempo, uma resistência à interferência do estado no que diz respeito àqueles assuntos, que os anabatistas entendiam ser de livre escolha e necessidade do indivíduo e da comunidade de fé. A fé precisava de terreno livre e sem coerções para frutificar.


Dessa maneira, o modelo de igreja que se perpetua através da reforma magisterial, segundo a visão anabatista, ainda é o velho modelo constantiniano, e haveria, portanto, uma necessidade de retorno aos primeiros passos da fé cristã, o que os anabatistas chamaram de restituição, que literalmente significava “restabelecer a igreja cristã primitiva”. A visão dessa “nova igreja”, baseada no edifício primitivo e nos valores basilares do evangelho, são assim anunciados por Bard Thompson:

A igreja é uma comunidade reunida, que não se confina nem a sociedade, ao estado, nem à igreja histórica, mas em radical separação do mundo a fim de praticar a perfeição prescrita por Jesus. a entrada é pelo batismo, chamado de batismo do crente, que depende exclusivamente da decisão do adulto; batismo infantil para os Anabatistas era tanto sem sentido quanto sem suporte pelas Escrituras (Thompson, 1996, p. 465).

Havia um problema sério, porém, naquela época em tornar pública essa confissão. Esse problema residia no fato de que a sociedade, embora em processo de transformação, ainda vivia segundo o modelo medieval, no qual era inconcebível a separação entre os assuntos da Igreja e os assuntos do Estado, tanto no modelo constantiniano (católico) igreja-estado (church-state) ou no estado-igreja (state-church), tal como ocorria na Saxônia, Zurique e Genebra reformadas (1996, p. 257).


Em função dessa tentativa de independência e dos extremos, que fugiram ao controle das intenções originais anabatistas, houve muita perseguição. A questão é: o que nesse modelo preocupou e incomodou tanto ao estado? Por que o anabatismo era visto como ameaça, já que seu programa interno era de separação das coisas do mundo (política/economia/cultura)?


Segundo Juan Driver (2000, p. 07), as acusações contra os anabatistas giravam em torno da desobediência civil, da rejeição ao juramento de lealdade (obedecer apenas a Deus) e a não-violência: atividades consideradas subversivas. Nesse mesmo sentido, continua ele:

A severidade das sentenças aplicadas reflete não somente a crueldade da época, mas também a seriedade com que as autoridades percebiam a ameaça anabatista. Não era uma questão de meras doutrinas e ritos novos. Tratava-se de uma nova visão da Igreja, que diminuía o controle das autoridades e o restituía ao povo humilde(Driver, 2000, p. 07).

De acordo com a análise de William Estep, a motivação anabatista quanto à resistência da ingerência estatal não implicava na negação do direito do estado de existir, mas na rejeição de sua jurisdição ilimitada sobre todas as coisas, especialmente as de cunho religioso-espiritual. A grande motivação anabatista no que diz respeito a esta separação, segundo Estep, provinha da convicção de que a fé não pode ser forçada ou coagida. Como completa:

A separação da igreja e do estado era vista como necessária por causa da natureza da igreja. Apenas assim a igreja poderia ser purificada e livre para ser a igreja debaixo de Deus. A desativação das igrejas-estado era para os Anabatistas a exigência mínima na garantia de liberdade religiosa. Assim, os Anabatistas se tornaram os primeiros advogados da separação institucional entre igreja e estado na era moderna (Estep, 1996, p. 261).

A questão da perseguição e ameaça dos anabatistas aos olhos do estado, portanto, parece ter sido menos sobre o conteúdo das reivindicações religiosas em si do que sobre as consequências em termos institucionais e de poder que tais reivindicações poderiam produzir.


Em muitos casos os anabatistas foram relegados a uma vida na clandestinidade, em virtude da pujança da repressão e do volume das perseguições. E essa clandestinidade, segundo Juan Dionísio Byler (2000, p. 09), teve consequências práticas no estilo de ser e na maneira de entender a igreja por parte dos anabatistas. Isso não somente os obrigava a propagar-se em pequenas células, como também a reger a vida de maneira independente do mundo externo, em comunidades de ajuda e ajuizamento mútuos, numa atmosfera de amor fraternal e íntimo, mas também de rigor ascético e disciplinar muito grande. Quem não seguia os preceitos anabatistas, nem respeitasse as normas comunitárias, estava sujeito à excomunhão.


Como informa Latourette (2006, p. 1054), “eles tendiam a se retirar da sociedade e a construir comunidades próprias que seriam sem contaminação do mundo ao seu redor”. Além disso, “tendiam à austeridade moral e simplicidade na comida, veste e na linguagem”. A ideia de absonderung (alemão: segregação/ separação do mundo) teve várias e importantes implicações sobre a maneira como os anabatistas concebiam e viviam a fé cristã. Bard Thompson assim retrata a sua “teoria dos dois mundos”:

Eles olhavam para o mundo secular, com todas as suas estruturas econômicas, políticas e culturais como uma realidade altamente demoníaca, com o qual ninguém deveria comprometer sequer um fio de cabelo. Oposto ao mundo secular estava outro mundo, um mundo sem fim, um reino de Deus, do qual as comunidades reunidas dos eleitos eram antecipações. O mundo secular, como dissemos, não foi deixado para destruição – ele deve ser evangelizado. Cada discípulo é, por definição, um evangelista. E o evangelismo irá inevitavelmente envolver sofrimento nas mãos do mundo. Parte da disposição anabatista para o literalismo bíblico converge com uma profunda suspeita em relação à cultura (Thompson, 1996, p. 465).

Considerações finais


O anabatismo foi um movimento que, parafraseando Juan Driver, surgiu e se desenvolveu na periferia da história. Em muitos sentidos, as histórias que continuamos a ouvir sobre a Reforma são histórias contadas na perspectiva dos vencedores, numa visão triunfalista e não problematizadora. Para muitos, Lutero, Zwínglio e Calvino não foram homens comuns a quem Deus usou de modo especial num momento particular da história, mas heróis da fé, ícones intocáveis, tanto pessoal como teologicamente. Não vejo vantagem alguma nesse tipo de leitura. Ela apenas mascara a humanidade presente nesses reformadores, bem como suas idiossincrasias, falhas graves e a lacuna que deixaram. Tendemos a iconizar tanto a reforma no plano original que nos esquecemos de que, em muitos sentidos, o que ela fez foi dar continuidade ao modelo anterior (católico romano).


Isso parece ter atingido de um modo mais sensível ao grupo de cristãos que, por sua oposição a alguns dos valores culturais e teológicos então vigentes (como a questão do batismo infantil) foram pejorativamente chamados de “anabatistas”, o que lhes rendeu perseguição, martírio e um lugar menos privilegiado na galeria dos “heróis da reforma”.


A tendência contrária não deve ser, porém, a de iconizar os anabatistas, como se dentro da gama de variedades e expressões encontradas nesse movimento no século XVI, não tenha havido falhas e extremismos prejudiciais, até mesmo para gerações posteriores. Isso seria um ato igualmente impensável e acrítico da parte de quem o assumisse.


Contudo, não resta dúvida de que, como vimos, eles contribuíram em frentes da reforma que os demais reformadores não haviam sido capazes, por diferentes razões, de desbravar. Seu compromisso livre e fervoroso conduziu-os a lugares e situações que serviram para a expansão de suas igrejas entre pessoas que viviam à margem do alcance da reforma magisterial ou da igreja estabelecida. As palavras de reconhecimento de Juan Driver me parecem pertinentes nesse sentido:

No fundo, a leitura da Bíblia que faziam os irmãos suíços lhes conduziu a uma maravilhosa visão de um Deus que atua independentemente das estruturas estabelecidas – eclesiásticas e seculares – para salvar aos marginalizados e necessitados. Encontravam a salvação sem recorrer aos sacramentos controlados pelo clero oficial, sem submeter-se às estruturas injustas da cristandade, controladas por uma conspiração entre a autoridade civil e a eclesiástica. Enfim, todo seu protesto respondia a um profundo desejo de restituir a igreja de Deus aos pobres e marginalizados (Driver, 1997, p. 06).
 
Referências bibliográficas

BYLER, Dionísio. “Origen de los menonitas: Los anabaptistas no violentos Del siglo XVI. Publicação eletrônica:www.menonitas.org. 2000, p. 1-11. Acesso em: 23/06/2010.
DRIVER, Juan. “El anabatismo en el contexto zwingliano”. In: La fe em la periferia de la historia: una historia del pueblo cristiano desde la perspectiva de los movimientos de restauración y reforma radical. Publicação eletrônica: www.menonitas.org. 2000, p. 1-10. Acesso em: 23/06/2010.
ESTEP, William R. The Anabaptist story. An introduction to Sixteenth-Century Anabaptistm. Grand Rapids, Michigan: Eardmans, 1996.
HILLERBRAND, Hans J (Ed.). The protestant reformation. New York: Harper Torchbooks, 1968.
LATOURETTE, Kenneth S. Uma história do cristianismo: volume II, 1500-1975. São Paulo: Hagnus, 2006.
THOMPSON, Bard. Humanists & Reformers. A history of the renaissance and reformation. Grand Rapids, Michigan: Eardmans, 1996.
WALKER, Williston. História da igreja cristã. São Paulo: JUERP/ ASTE, 1981.


Notas

(1) Aqui se pode ver um conflito entre “verdades” ou, de um ponto de vista pós-metafísico, entre perspectivas. Enquanto para os reformadores magisteriais (e os católicos) o ato de batizar de novo representava um ato de insubmissão e subversão, para os irmãos e irmãs protagonistas desse feito, se tratava do “verdadeiro” e único batismo, ou seja, o que pode ser validado pela confissão e compromisso de fé do indivíduo. Portanto, o signo “rebatismo” deve ser devidamente criticado e problematizado antes de ser utilizado, especialmente por estudiosos e pesquisadores.
(2) Texto em sua versão digitalizada, organizado por Dionísio Byler. Ver: www.menonitas.org.
(3) Tradução livre minha aqui e em outras citações do mesmo autor.


Vi no http://arminianos.wordpress.com/2011/12/08/anabatismo-e-reforma-radical/
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A Bíblia Ensina sobre Segurança Eterna?

W.E. NUNNALLY, Ph.D


Professor de Judaísmo Primitivo e Origens Cristãs na Universidade Evangel
Springfield, Missouri (EUA)


Salve em PDF: A Bíblia Ensina sobre Segurança Eterna?


Podem os cristãos perderem sua salvação ao recusarem o senhorio de Cristo?


Introdução


Em um artigo anterior, eu discuti brevemente a posição doutrinária da perseverança dos santos, segurança eterna, ou, uma vez salvo, salvo para sempre. Aqui, porém, discutirei de forma mais completa.


A doutrina da segurança eterna ensina que uma vez que a pessoa experimenta a salvação, nada pode fazê-la perder esse status. Millard J. Erickson afirma: “A posição Calvinista é clara e decisiva neste assunto: ‘Eles, a quem Deus tem aceitado, que foram chamados, e santificados pelo Seu Espírito, não podem perder nem totalmente nem definitivamente o estado da graça, mas deve perseverar até o fim, e serem eternamente salvos’”. (WESTMINTER CONFESSION OF FAITH, 17.1).


Henry C. Thiessen adiante afirma: “De acordo com a afirmação de que eles ‘não podem perder nem totalmente nem definitivamente o estado da graça’. Isso não é equivalente a dizer que eles nunca poderão ter uma recaída, nunca pecarão, ou nunca deixarão de louvar a Aquele que os chamou das trevas para Sua maravilhosa luz. Apenas significa que eles nunca perderão totalmente o estado da graça e retornarão ao lugar de onde eles foram tirados.”


Assim como a expiação limitada, Agostinho popularizou no século V a.C. a doutrina da perseverança dos santos. A Igreja Católica Romana finalmente adotou seus ensinos sobre esse assunto como doutrina oficial. Foi a posição comumente aceita no tempo da Reforma Protestante. Líderes da Reforma, como João Calvino, também a aceitou e promoveu juntamente com uma série de outras doutrinas e práticas católico-romanas préreforma. Dessa maneira, a segurança eterna adentrou nos sistemas doutrinários de diversas denominações protestantes modernas de hoje.


A tradição arminiana-wesleyana de santidade e as Assembleias de Deus que cresceram fora disso têm historicamente rejeitado a crença da segurança eterna. O website oficial das AD afirma: “As Assembleias de Deus tomaram uma posição contrária ao ensinamento de que a soberania de Deus substituirá completamente o livre arbítrio do homem para que este O aceite e O sirva. Em virtude disto nós acreditamos que é possível que uma pessoa uma vez salva se afaste de Deus e esteja perdida novamente”.


Muito embora as Assembleias de Deus tenham tomado uma posição forte e inequívoca, as pessoas a quem ministramos podem não entender essa doutrina ou nossa posição em relação a este assunto.


As pessoas em nossas congregações geralmente trabalham com outras que acreditam em segurança eterna. Elas precisam saber como refutar as crenças de seus colegas de trabalho. Por isso, é importante que os pastores ensinem os argumentos usados pelos proponentes da perseverança dos santos/segurança eterna, as respostas apropriadas para suas afirmações e a base bíblica da nossa posição: crentes podem voluntariamente perder sua salvação se se afastarem do senhorio de Cristo.


Há, com certeza, crenças diversas com relação à segurança eterna dentro do Calvinismo. Por exemplo, uma visão extrema argumenta que Deus levará um crente para casa porque ele não endireita sua vida e tornou-se um estorvo para Ele. Outros que acreditam em segurança eterna, mas não acreditam que esta dê licença para pecar: “Por outro lado, porém, nosso entendimento da doutrina da perseverança não permite a indolência nem a negligência. É questionável se uma pessoa que racionaliza, ‘Agora que eu sou um cristão, posso viver como eu quiser’, foi realmente convertida e regenerada. A fé genuína surge, ao contrário, no fruto do Espírito.


Textos usados para sustentar Segurança Eterna e suas próprias interpretações


Crentes podem voluntariamente perder sua salvação se se afastarem do senhorio de Cristo.


Aqueles que apoiam a visão da salvação de Segurança Eterna (SE) geralmente se referem a João 5,24 para sustentar sua posição, “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida.” Proponentes acreditam que este versículo signifique que, uma vez que passou da morte para a vida, você eternamente terá vida. O contexto gramatical desse versículo, porém, esclarece que a palavra eterna não é um advérbio que modifica o verbo, como quando se diz eternamente terá vida. Ao contrário, é parte do substantivo composto. Assim, a vida é eterna, não a posse dela. Também, as palavras ouvindo e crendo estão no gerúndio, o que significa ação contínua.


Proponentes também argumentam que, uma vez que a pessoa e Deus se unem, esse laço nunca pode ser desfeito; apelam para João 6.37, “Tudo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” Não podemos dizer, porém, que este texto exclua a possibilidade de que alguém possa escolher ir embora (compare com João 17.12).


João 10.27,28 também é usado para sustentar a doutrina da SE: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos.”


A estes versículos podemos também acrescentar Romanos 8.35,39: “Quem nos separará do amor de Cristo? … Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!”


Deve-se observar também que o tempo presente no grego denota ação contínua. Esse versículo é traduzido literalmente como “As minhas ovelhas continuam ouvindo a minha voz, e eu continuo conhecendo-as, e elas continuam me seguindo; e continuo dando-lhes a vida eterna.” Significa que o fato de não perecermos depende da nossa ação contínua de ouvir e de seguir a Jesus, tema que ecoa em toda a Bíblia. Ao contrário de sustentar a SE, este texto sustenta a possibilidade de um crente se afastar de Deus se rejeitar a continuar a obediência a Cristo.


Usando João 15.1-11, proponentes afirmam “Se os crentes se fizeram um em Cristo e Sua vida flui neles (Jo 15.1-11), nada pode anular essa conexão.” Mas o capítulo 15 inteiro mostra a possibilidade de essa conexão ser quebrada.


A palavra traduzida como permanecer em todo o capítulo 15 é meno, que significa ficar, continuar. Portanto, Jesus diz, “Toda vara em mim que não dá fruto, a tira… Se alguém não permanece [fica, continua] em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem.” (Jo 15.2,6). A próxima seção começa com Jesus declarando, “Tenho-vos dito essas coisas para que vos não escandalizeis.” (Jo 16.1). Se afastar-se de Deus não fosse uma possibilidade nítida, Jesus não teria falado sobre o assunto.


Alguns adeptos da SE apontam para as palavras de Paulo em Filipenses 1.6 para apoio, “Tendo por certo isto mesmo: que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao Dia de Jesus Cristo.”


Lendo os versículos 1-11, porém, torna-se claro que o que Paulo estava seguro era o fato do desejo dos filipenses de forçarem a maturidade – a única segurança real do crente. Isto é sustentado pela advertência aos filipenses para “operar a vossa salvação com temor e tremor.” (2.12). Além disso, após notar que mesmo seu próprio destino eterno ainda não estava escrito nas pedras (3.12,13), e para ter certeza de sua vida eterna, Paulo se esforçou para uma maior maturidade e obediência (3.14). Ele exortou os filipenses a seguirem seu exemplo e evitarem seguir o exemplo daqueles cujo fim é a destruição (3.17-19).


As pessoas, às vezes, apelam para Hebreus 7.25, “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.” Defensores entendem que a palavra sempre se refira àqueles que se aproximam de Deus para salvação. O contexto imediato, porém, e a mensagem do livro de Hebreus requerem a frase para se referir a Jesus e a duração de tempo em que Ele, como Sumo Sacerdote, é capaz de prover a expiação a qual faz com que a salvação seja possível não para a segurança eterna do crente (compare também os vv. 3,17,21,25; 5.6; 6.20).


Mas o texto favorito daqueles que adotam a SE é 1 João 2.19, “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós.” Adeptos usam essa passagem para afirmar que aqueles que pararam de seguir a Cristo nunca tinham experimentado a salvação. Existem várias coisas que devemos examinar neste versículo.


Primeiro, o texto não afirma explicitamente o que os proponentes de SE asseveram que afirme (que separação significa que a salvação deles não era real). João estava escrevendo depois de sua deserção e observando que o abandono era prova de que eles não pertenciam mais à comunidade dos remidos. João os estava comparando àqueles que tinham resistido aos falsos ensinamentos, continuado a adotar a verdade e persistido em permanecer em Cristo (v. 24).


Segundo, o contraste entre as respostas de ir embora e permanecer/ficar relembram os próprios ensinamentos de Jesus em João 15, onde Ele descreveu membros do corpo de Cristo que falham em permanecer, não continuam a produzir frutos, secam e são finalmente lançados fora.


Terceiro, ambos os AT/NT estão repletos de exemplos de pessoas e grupos que estavam, em algum ponto, claramente ao lado de Deus mas que depois repudiaram Seu senhorio (Gn 4.3-16 [comp. Jd v. 11]; Êx 32.32, 33; Nm 3.2-4; 4.15-20; 16.1-33; 22.8, 12,19,20,32-35; 24.1,2,13; 31.7,8; 1Sm 10.1-7,9-11; 13.8-15; 16.14,31; Jo 6.66 [comp. v. 67]; 1Co 5.1-13; 1Tm 1.19, 20; 2Tm 1.15; 2.17,18; 4.10; Tt 1.12- 16; Hb 12.15-17; 2Pe 2.1; Ap 2.6,15 [comp. At 6.5; HISTÓRIA ECLESIÁSTICA – Eusébio 3.29, 20]).


Argumentos que Advertem os Crentes sobre a Possibilidade da Apostasia


Devemos nos refamiliarizar com passagens que sustentem nossa doutrina.


Às vezes, os adeptos do Arminianismo não têm articulado claramente sua posição doutrinária. Temos usado a expressão perder sua salvação, como se esse ato pudesse ser acidental, não intencional e o resultado de um deslize momentâneo. Os detratores têm justamente atacado essa frase como uma reflexão imprecisa das Escrituras. Por isso, devemos nos refamiliarizar com passagens que sustentem nossa doutrina e então articularmos de uma maneira que reflita apropriadamente o ensinamento da Palavra de Deus.


Os ensinamentos arminianos-wesleyanos sobre santidade e Pentecostes sustentam que os crentes mantêm seu livre arbítrio mesmo após a salvação. As Escrituras ensinam que aqueles que confiam e obedecem a Jesus são ainda mais livres após a salvação do que antes (Jo 8.36; Gl 5.1,13), não menos. Nossa doutrina pode ser descrita pelas frases bíblicas “da graça tendes caído” (Gl 5.4), “apartar do Deus vivo” (Hb 3.12) e “recaíram.” (Hb 6.6).


Deus não invadirá ou violará o livre arbítrio que Ele propositalmente criou no homem.


J. Rodman Williams afirma: “Mas, por causa do fato de que a salvação de Deus opera através da fé – a fé viva – o abandono dessa fé pode levar à apostasia. Ao falhar em permanecer em Cristo, em continuar nEle e em Sua palavra, perseverar em meio a julgamentos mundanos e tentação, fazer com que a fé se firme e fortaleça – desse modo permitindo que a incredulidade entre – os crentes podem se afastar de Deus. Assim poderão tragicamente perder sua salvação.”


A palavra apostasia é a transliteração da palavra grega apostasia do NT. Referências observam que essa palavra e sua forma verbal incluem essas nuanças: tomar uma posição, cometer deserção ou traição política, separar de, afastar-se de, induzir a revolta, retirar, desviar, desaparecer, cessar toda interação com, desertar, pôr de lado (como em divórcio). Nenhum desses itens sugere uma perda de pacto como resultado de uma brecha acidental ou temporária de padrões estabelecidos de santidade. Ao contrário, todos eles implicam a previsão, intenção e estado persistente de rebelião contra a autoridade de Jesus sobre a vida de alguém.


Livre Arbítrio


Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança (Gn 1.26). Em parte, isto significa que da mesma forma que Deus pensa, planeja, raciocina e decide, o homem também o faz.


Embora a queda tenha parcialmente apagado a imagem de Deus estampada sobre a humanidade na criação, esses outros atributos certamente não o foram. Além disso, Deus não invadirá ou violará o livre arbítrio que Ele propositalmente criou no homem de aceitar ou não a Cristo.


No AT, Deus tratou com os israelitas quase que exclusivamente através de pactos condicionais. Deus continuou a adverti-los para que cumprissem suas obrigações no pacto ou o relacionamento com Ele poderia ser anulado (compare Êx 32.33; Lv 22.3; Nm 15.27-31; Dt 29.18-21; 1Re 9.6,7; 2Re 17.22, 23; 24.20; 1Cr 28.9; 2Cr 7.19-22; 15.2; 24.20; Sl 69.28; Is 1.2-4; 59.2; Jr 2.19; 5.3,6,7; 8.5,12; 15.1,6,7; 16.5; Ez 3.20; 18.12,13; 33.12). A graça estava disponível no AT (Êx 34.6, Nm 6.25; Jr 3.12), mas como no NT, a graça nunca foi uma desculpa para se continuar em pecado e nunca diminui as exigências de um pacto (compare Jo 1.16,17; Rm 6.1,2; 8.7-11; Lc 12.48; compare também Rm 1.31, “incrédulos” ou “pérfidos”).


Os Evangelhos


Jesus ordenou que os membros da comunidade da aliança que persistiam na falta de não se arrepender fossem colocados para fora da igreja e tratados como excluídos da aliança.


João, o Batista, audaciosamente proclamou, “E também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo.” (Mt 3.10; Lc 3.9). De fato, Jesus começou Seu ministério reiterando esta mesma mensagem (Mt 7.19).


Jesus também ensinou que se não estivermos predispostos a perdoar, removemos a possibilidade de recebermos o perdão de Deus (Mt 6.15). No contexto histórico original de Jesus e no contexto canônico de Mateus, a nova comunidade em aliança – composta por crentes – Jesus disse que apenas aqueles que resistirem até o fim serão salvos (Mt 10.22; 24.13), e que se O negarmos diante dos homens, Ele nos negará diante do Seu Pai (Mt 10.33). Quando disse, “todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada aos homens.”(Mateus 12.31), Ele não fez distinção entre os salvos e os não salvos.


Na parábola do Semeador, a semente caía na terra e começava a produzir frutos, mas várias circunstâncias finalmente a destruíram (Mt 13.3-23). Em Mateus 18.15-17, Jesus ordenou que os membros da comunidade da aliança que persistiam em falta de não se arrepender fossem colocados para fora da igreja e tratados como excluídos da aliança. Jesus também advertiu que, nos últimos dias, falsos messias “enganarão muitos” (Mt 24.5) e, durante a perseguição, “muitos seriam escandalizados” (Mt 24.10). O versículo 24 recorda os ensinamentos de Jesus em que falsos messias e falsos profetas “desviariam, se possível, até os escolhidos.”


Defensores da SE acham que a frase “se possível” aponta para uma situação hipotética e mostra que não é possível que alguém perca a fé. Este argumento, porém, não considera o contexto maior (Mt 24.5,10) ou outros textos (1Ts 4.1,2) que claramente afirmam que alguns crentes nos últimos dias se desviariam da fé por diversas razões.


Lucas relatou que Jesus ensinava que “Ninguém que lança mão do arado e olha [continuamente] para trás é apto para o Reino de Deus” (Lc 9.62). O contexto esclarece o significado da metáfora. O mesmo pode ser dito acerca de Lucas 14.34,35, “Bom é o sal, mas se ele degenerar, com que se adubará? Nem presta para a terra, nem para o monturo; lança-os fora. Quem tem ouvidos, que ouça” (sobre os ensinamentos de Jesus, ver mais em Mt 7.16,17,21,24,26; 10.38; 18.23-35; Lc 9.23ss; 14.25-33).


Ensinamento Paulino


Paulo advertiu os coríntios que acreditar em uma versão errada das boas-novas poderia pôr em perigo sua salvação.


No campo missionário, após terem “feito muitos discípulos”, Paulo e Barnabé retornaram às igrejas que haviam levantado anteriormente, fortaleceram os discípulos e os encorajaram a continuarem na fé (At 14. 21,22). Poderia ter sido um desperdício de tempo e energia se apostasia não fosse uma opção. Mais tarde, Paulo advertiu os líderes da igreja em Éfeso que “…entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho. E que, dentre de vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si.” (At 20.29,30.)


Nas cartas de Paulo, seu ensinamento não era diferente de suas pregações em Atos. Ele advertiu as igrejas em Roma, “Porque, se Deus não poupou os ramos naturais, [Israel], que te não poupe a ti também [cristãos em Roma].Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a benignidade de Deus, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira, também tu serás cortado.” (11.21,22). Ele também os desafiou, “Mas, se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu.” (14.15; compare também 1Co 8.11, onde os mesmos termos aparecem).


Em 1 Coríntios 5. 1-13 (compare também 2Ts 3.6, 14). Paulo desafiou os coríntios a excomungarem as pessoas que vivessem em pecado (compare Mt 18.15-17). Ele repreendeu os libertinos na igreja de Corinto por deixarem com que sua liberdade causasse destruição do “irmão fraco, pelo qual Cristo morreu” (1Co 8.11). “Irmão” indica que todos envolvidos são membros de uma mesma comunidade de aliança. Acreditava que existia a possibilidade de que mesmo ele pudesse ser um náufrago na fé (1Co 9.27).


Paulo, mais adiante, advertiu os cristãos em Corinto de que este poderia ser o destino deles também e que poderiam acabar como os israelitas que morreram no deserto (1Co 10.1-13). “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia.” (v. 12).


Paulo também advertiu os coríntios que acreditar em uma versão errada das boas-novas poderia pôr em perigo sua salvação: “Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado, o qual também recebestes e no qual também permaneceis; pelo qual também sois salvos, se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado, se não é que crestes em vão.” (1Co 15.1,2).


Mais adiante, desafiou-os novamente, “Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis, quanto a vós mesmo, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados.” (2Co 13.5). Este desafio é similar àquele que fez à igreja dos colossenses: Jesus os apresentaria inculpáveis perante Deus, mas apenas se [eles]“permanecerdes fundados e firmes na fé.” (Cl 1.21-23).


Às igrejas de Gálatas Paulo exclamou: “Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho.” (Gl 1.6). Em Gálatas 4.1-11, ele descreveu a progressão em que os cristãos gálatas passaram de escravos para filhos e então para escravos novamente. Na conclusão dessa seção, Paulo disse, “Eu temo por vocês, que talvez, eu tenha trabalhado com vocês em vão.”


Àqueles que haviam sido salvos pelo sangue de Jesus mas aceitado o Evangelho “plus” dos judaizantes que acrescentaram circuncisão ao Ordo Salutis (caminho da salvação), Paulo proclamou, “Separados estais [kataergo: rompido, esvaziado, anulado de, cancelado de, trazido ao fim, destruído, aniquilado] de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído [ekpipto: cair de, confiscar, perder, causar o fim] .” (Gl 5.4).


À igreja dos filipenses, Paulo afirmou ter sofrido a perda de todas as coisas “para conhecê-lo, e a virtude da sua ressurreição, e a comunicação de suas aflições, sendo feito conforme a sua morte; para ver se, de alguma maneira, eu possa chegar à ressurreição dos mortos.” (Fp 3.10,11). Se a salvação de Paulo fosse decisiva e nada pudesse mudar seu status com Deus, ele não estaria ciente disso. Paulo levou a sério a ruína espiritual na vida de alguns de seus companheiros mais próximos porque, no mesmo contexto, ele falou à igreja de Filipos sobre as pessoas que haviam sido crentes muito conhecidas, mas que lamentava agora por “serem inimigos da cruz de Cristo.” (Fp 3.18).


Quando Paulo instruiu pastores, a mensagem foi a mesma: “Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios.” (1Tm 4.1; compare 2Tm 4.3,4).


As Epístolas Gerais e o Apocalipse


O Livro de Hebreus contém algumas das advertências mais claras contra a apostasia e também exortações urgentes para se permanecer firme até o fim.


A advertência do NT também é clara sobre o fato de o crente poder voluntariamente perder sua salvação. O Livro de Hebreus contém algumas das advertências mais claras contra a apostasia e também exortações urgentes para se permanecer firme até o fim – todas direcionadas a cristãos.


Por causa da revelação maior que veio com a encarnação de Cristo, o autor de Hebreus disse aos cristãos, “Portanto, convém-nos atentar, com mais diligência, para as coisas que já temos ouvido, para que, em tempo algum, nos desviemos delas” (2.1). Neste texto, o escritor incluiu a si próprio em uma advertência contra se deixar o caminho da salvação. No mesmo contexto, levantou uma questão retórica, “Como escaparemos nós [julgamento, compare v. 2), se descuidarmos de uma tão grande salvação?” (v. 3). Novamente, o autor se incluiu em seu público cristão.


Devemos notar que o verbo é descuidar, não rejeitar. Seus leitores eram cristãos descuidados, e não descrentes rejeitadores. Em 3.6, ele lançou o mesmo desafio feito por Jesus e Paulo: E nós somos Sua “própria casa... se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até o fim.” Ele reiterou além disso, “Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até o fim.” (v. 14). Advertiu aos crentes, “Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar [apostaenai, apostasia] do Deus vivo.”(3.12, ênfase adicionada).


Os crentes precisam “temer, pois, que, porventura, deixada a promessa de entrar no seu repouso, pareça que algum de vós fique para trás” (4.1), porque até crentes podem “cair no mesmo exemplo de desobediência [que os da aliança de Israel demonstravam]” (4.11).Em 6.4-6, o autor declara: “Porque é impossível que os que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro e recaíram sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus e o expõe ao vitupério.”


Reminiscente de Números 15.30,31, Hebreus afirma: “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo”(10.26,27, ênfase adicionada). E continua, “Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” (10.28,29, ênfase adicionada). A parte em negrito desses versículos fornece uma evidência incontestável de que o público é cristão. Esses crentes são advertidos a não “rejeitarem” (em oposição a “perder acidentalmente”) sua salvação (10.35).


O escritor de Hebreus deixou ao seu público cristão esta exortação: “Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura [compare com Dt 29.18-21], brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem. E ninguém seja fornicador ou profano, como Esaú, que, por um manjar, vendeu seu direito de primogenitura. Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que, com lágrima, o buscou.” (Hb 12.15-17).


Tiago nos diz: “se algum de entre vós se tem desviado da verdade, e alguém o converter, saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador salvará da morte uma alma.” (Tg 5.19,20).


Pedro escreve: “E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição.” (2Pe 2.1). No mesmo contexto, continua: “Portanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se lhes o último estado pior que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado. O cão voltou ao seu próprio vômito; a porca lavada, ao espojadouro de lama.” (2Pe 2.20-22, ênfase acrescentada para demonstrar o fato de que o autor está descrevendo pessoas que haviam sido contadas entre os redimidos).


João descreveu um pecado que é “para a morte” e não pode ser perdoado (1Jo 5.16).


O contexto na primeira metade do versículo, assim como o uso da mesma terminologia em outros lugares nessa carta (1Jo 3.13,14) deixa claro o fato de que se trata de morte espiritual e não física. Essa mensagem não é diferente da de Apocalipse. Lá, ele prometeu vida eterna apenas àqueles que vencerem e perseverarem fiéis até o fim (Ap 2.10,25, 26). Por outro lado, ele garantiu rejeição e perda da vida para aqueles que não o fizerem (Ap 2.5; 3.11,16). Até o final do livro (e, portanto, o NT), ele continuou a alertar sobre a possibilidade de se perder a salvação (Ap 22.19).


Conclusão


A única segurança do crente está atrelada à firme obediência à vontade do Mestre.


É evidente que a Bíblia alerta contra a possibilidade de perda do status com Deus. As Escrituras são claras no que diz respeito a que a única segurança do crente está atrelada à firme obediência à vontade do Mestre.


Essa realidade se encaixa perfeitamente na definição bíblica de salvação, que não é um evento único que sela um crente por toda a eternidade, mas um processo que tem estágio passado (Rm 10.9,10; 2Co 5.17), presente (Lc 9.23; 1Co 1.18; 2Co 2.15; 3.18; Fp 2.12; 3.8-16) e futuro (Rm 8.19-24; 1Co 15.24-28; 1Pe 1.3-7; Ap 12.10; 20.1-10; 21.1 – 22.14).


Os crentes detêm a opção de escolher uma vida de obediência e submissão à vontade de Deus ou de se desviar do relacionamento com Deus e sofrer a separação eterna de Deus como resultado.


Ao ensinar esta verdade às pessoas, você pode encorajá-las a uma vida divina e a responderem aqueles que creem na segurança eterna
 
Fonte: Recurso Espirituais
 
Vi no http://arminianos.wordpress.com/2011/12/03/a-biblia-ensina-sobre-seguranca-eterna/