Agostinho escreveu Confissões e Calvino fez o favor de interpretar como aquele tipo de confissão em que se vai ao confessionário contar suas más ações e discorrer sobre toda a desgraça do pecado. Mas confissão pode ser reconhecimento, aceitação, descrição da realidade, constatação. Quer dizer, que tal falar do coração humano, daquelas realidades que todos vivem, mas fingem não existir?
Ah! Mas isto para o status evangélico não é coisa que se diga. Onde já se viu alguém admitir aquilo que diminui sua posição, seu status de santo ou de salvo?
Imagine um pastor discorrer que ele compreende que Reino de Deus é uma vida de relações humanas, pregue para que todos andem e vivam em amor, mas ele próprio trava uma luta para ser aberto, compreensivo e simpático com todos, mas isto para ele requer um esforço enorme e todos percebem que ele não dá conta?
Sim, se ele nunca confessar os dramas de sua alma, todos continuarão a considerá-lo um “grande homem”. Ele finge que lida bem e os crentes fingem que acreditam. Mas caso ele comece a confessar suas idiossincrasias, a discorrer sobre o coração humano, as lutas para crescer, a ambiguidade entre o homem ideal e os fatos do homem real, logo surgem os defensores de uma salvação absoluta, total e irrestrita, acusando-o de alguém que precisa de conversão.
E se este pastor resolver falar sobre suas inadequações diante do esquema proposto pela fé, mas que nega a realidade da vida, que não entra em contato com as próprias inadequações entre o que se vive e o que se pensa sobre Deus?
Piorou!
Agora ele passará para a categoria de herege, ou para os politicamente corretos, ele será alguém em crise de fé. Pseudo psicólogos farão uma investigação de sua história para explicar o porque ele afirma os chamados desvios. Como se crise de fé fosse algo perverso, insano e maligno.
Sem crise a fé não amadurece.
Não existe uma pessoa, por mais plácida que seja, que diante das aflições no mundo não tenha perguntado: “Por que; Deus?”. Que em determinado momento aquilo que se cria entrou em incompatibilidade com os fatos da vida. A crença não foi suficiente, não respondeu aos acontecimentos e não atendeu as necessidades.
Neste momento, se faz escolhas entre os fatos e as crenças.
Ninguém em sã consciência crê ou creria naquilo que nega os fatos. Como bem colocou Queiruga, imagine exigir das pessoas que para crer em Deus seria necessário negar a Lei da Gravidade? Elas pediriam desculpas, mas prefeririam não crer. Não por serem incrédulas, mas por não poderem negar a realidade.
Por que então, se aquilo que uma pessoa vive contraria aquilo que se afirma sobre Deus, ela precisa escolher aquilo que se diz e não aquilo que lhe é real para ser aceita como crente?
Tive uma tia, acabou de falecer, que junto com seu marido dedicou a vida inteira ao evangelho. Viveram estritamente do evangelho e boa parte desta história como fazedores de tendas, isto é, dedicavam-se ao evangelho sem nunca cobrarem absolutamente nada, pelo contrário, quando não podiam ser sustentados pela obra, trabalhavam em outras áreas para continuar o trabalho de evangelização.
Um dos filhos nasceu deficiente mental.
Seu marido pastoreando uma igreja, sofreu um derrame e não pode continuar o trabalho. Precisaram desocupar a casa pastoral para o pastor que o substituiria. O filho mais velho tornou-se arrimo da família.
O pai não resistiu muito tempo e faleceu e na sequência morreu o filho nas mãos de um motorista irresponsável numa rodovia do Paraná, aquele que sustentava a casa.
Estou falando de uma vida inteira gasta em fidelidade a Deus e dedicada na causa do evangelho.
Esta semana, ela faleceu e a filha mais nova quando tentava socorrê-la também morreu.
Ficou o filho, que apesar de quase 50 anos, tem idade psíquica da primeira infância.
Neste breve resumo de meio século de incansáveis lutas, nunca tiveram uma casa própria, não conseguiram aposentadoria, tinham somente o auxílio idoso para sobreviverem.
Eu coloco a pergunta:
Veja a realidade vivida por eles para e com Deus e aquelas coisas que se afirmam sobre Deus. O que se deve admitir, ou confessar?
Pense sobre sua teologia se ela coaduna com aquilo que é real - a vida ou se contraria e joga na conta daquilo que se afirma sobre Deus?
Onde estaria o Deus protecionista, intervencionista que privilegia ou cuida dos seus?
E não me venha querer investigar o nível de santidade deles...
Afirmo que não tenho nenhum problema com Deus, creio nele, em seu amor e sei que ele é Deus. Sei que Deus não usa o mal para fazer o bem, que ele não só tem boas intenções, mas também só age pelo bem.
Dizer que tudo isto é um mistério divino, que somente Deus sabe e um dia iremos entender, para mim soa como negar a realidade para continuar afirmando coisas que não combinam com a vida.
Um deus que esconde suas ações em sombras? Um deus que nos eventos ruins age escondido – chamam de mistério (?) e nos eventos bons mostra a cara – chamam de revelação(?) seria digno de confiança? Fidelidade não é o atributo mais anunciado por Deus, pois ele não é caprichoso como os supostos deuses?
Oras, a revelação de Deus não se dá na realidade da vida e com os eventos que conhecemos?
Pois a vida e os eventos que experimentamos anunciam que muito daquilo que se afirma sobre Deus, não é legítimo.
Se as marcas de Deus estão em todo o lugar, ele a tudo enche, então, não me venham com explicações que negam a vida, com chavões que exigem que se afirme algo que não legitima Deus se revelando através daquilo que conhecemos.
Mistério (?), Deus sabe o que faz(?), você não entende agora, mas mais tarde entenderá, Deus está te provando e você tem que passar por isso, são frases insossas de contaminação intelectual e negação da humanidade.
Colocar um serviço mal feito ou que Deus usa o mal para um bem maior para mim é demais. Isto é fazer de Deus um deus, um governante político mundano que chama o mal de bem.
Não finja que porque você é crente tudo vai bem e você sempre terá livramentos. Olhe para a vida neste mundo e como ela se dá. Veja Guiné Bissau em que a cada dez crianças que nascem duas não chegarão aos cinco anos de idade. Para Angola em que a expectativa de vida é de quarenta anos. Eu já teria morrido há cinco anos.
Existem países na África que vinte e cinco por cento dos homens adultos estão contaminados pela AIDS, e no ano passado foram cinco mil e quinhentos funerais por dia, totalizando dois milhões de mortos.
No Brasil oitenta mil crianças morrem por ano antes de completarem um ano de vida, sabe de que?
Eu respondo: FOME.
O que elas fizeram? Ou ainda dentro daquilo que se diz a respeito de Deus: O que Deus está fazendo? Ele Sabe o que faz?
Prefiro crer que Deus ama e é melhor do que nós.
Que chora sobre Jerusalém porque as desgraças que lá ocorrem não tem nada a ver com ele.
Não é ele quem está matando os seus próprios filhos e nem os seus profetas.
Não foi ele que derrubou a torre de Siloé sobre aquelas dezoito pessoas, nem que fez com que um homem nascesse cego.
Paulo depois de pedir livramento aprendeu a lição de viver em toda e qualquer situação, pois a graça é suficiente para lidar com a vida independente de como ela se apresentar.
Eliel Batista
Vi no http://www.elielbatista.com/
0 comentários:
Postar um comentário